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A Mala

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"Passageiros chegados a Bissau reclamam malas que ficaram em Lisboa". Esta notícia do jornal PÚBLICO lembrou-me o caso passado com um amigo, ocorrido numa companhia aérea, na véspera de Natal de há 3 ou 4 anos, numa viagem de Istambul para Lisboa. Cá chegado, esperou em vão pela sua mala, que devia ter viajado com ele no porão da aeronave. Duas horas depois foi informado que devido a um "erro técnico", não tinha sido embarcada em Istambul no seu voo para Lisboa, tendo sido indevidamente despachada para Sidney. Mas pior do que isso, foi o facto de lá dentro estarem as suas chaves de casa, carteira com documentos, dinheiro e cartões bancários, utensílios de higiene pessoal, medicamentos, telemóvel e computador portátil. O seu erro fatal foi ter querido aligeirar os bolsos, ficando apenas com o bilhete da passagem e o passaporte. Tinha três alternativas: ou ia para um hotel pago pela companhia, ou para casa de um amigo, ou providenciava com a PSP o arrombamento da

As Três Chaves

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Era uma sala sem janelas e com quatro portas. Uma por onde se entrava e mais três, todas iguais, e que estavam fechadas. No centro havia uma mesa e em cima dela três chaves, todas elas iguais, excepto no recorte dos dentes. Do tecto pendia uma lâmpada que iluminava a sala. Havia duas cadeiras. Numa estava sentado o Amadeu que tinha vindo a uma entrevista de emprego, e na outra o homem que parecia um "carregador de pianos", um cinquentão com aspecto descuidado, barba por fazer, dedos grossos, camisa com manchas de suor e calças seguras com suspensórios, e curiosamente, com uma voz suave e  pronúncia bem recortada . Estavam ali há perto de duas horas, e se havia alguma coisa para resolver, parecia que isso ainda ia demorar. - Respondi ao anúncio mas afinal isto, em vez de ser uma entrevista, parece-se mais com um sequestro, queixou-se o Amadeu. - O anúncio só foi omisso numa coisa; uma vez entrada aquela porta, já não se pode sair por ela. Tem que se escolher uma dessa

O Inferno na Terra

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Os artigos que o padre Gonçalo Portocarrero de Almada habitualmente escreve no jornal OBSERVADOR, têm o condão de me deixar motivado e em alvoroço, pois são sempre uma fonte de inspiração para tecer alguns comentários sobre as curiosas teses que ele faz questão de trazer para o domínio público. A última versava sobre a Santa Inquisição, essa entidade gerada no seio da Igreja Católica Apostólica Romana, como prolongamento das Cruzadas, que esteve activa entre 1250 e 1820, e que tinha por função extirpar da religião católica todas as heresias e perversões que a pudessem infectar, custasse o que custasse, doesse a quem doesse, recorrendo à prisão, tortura e execuções, pelos quatro cantos do planeta. Sem negar que tivessem sido cometidos excessos, pois entre os padres também há gente capaz de tudo, o padre Gonçalo, no entanto, afiança que a Inquisição foi um exemplo de humanidade, probidade e excelsa misericórdia para com os seus sentenciados, limitando-se a julgar e a fazer justi

A Descomunal Solidão

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O filme: O Primeiro Homem na Lua (First Man) O realizador: Damien Chazelle Os actores principais: Ryan Gosling, Claire Foy Duração: 141 minutos Ano: 2018 Meu comentário: Baseado no livro de James R. Hansen, "O Primeiro Homem na Lua" é um filme que expõe com o possível rigor biográfico, os oito anos de vida (1961-1969) de Neil Armstrong, enquanto astronauta da NASA, que atravessou todos os programas, desde o avião X-15 e o programa Gemini, até culminar como comandante da missão lunar Apollo 11, a primeira que colocou seres humanos no satélite natural da Terra.  Armstrong foi tudo isso e também chefe de família. Porém, a família Armstrong tem um problema doméstico. O marido queria correr todos os riscos para pisar a Lua, ao passo que a mulher queria que ele fosse um marido "normal", amigo de grelhados domingueiros, dedicado aos prazeres do lar e à educação dos filhos, e que não andasse sempre com a vida no gume da navalha. Janet Armstrong não estav

Comprimidos Para Dormir

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O Adelino e o António sempre foram amigos. Eram quase vizinhos, brincaram na mesma rua, andaram na mesma escola primária, fizeram a tropa juntos e só depois a vida os separou, mas não muito. Adelino casou e António não. Adelino tornou-se delegado de propaganda médica de uma multinacional e António empregado de balcão numa loja de ferragens. O facto de terem profissões diferentes não impediu de se continuassem a ver, pelo menos uma vez por semana, no restaurante O Abençoado. Com uma amizade tão duradoura, ninguém diria que eram tudo menos almas gémeas. Adelino vivia para o dia-a-dia, sem outra ambição que ganhar dinheiro, apreciar boa mesa, boas roupas e bons carros, amigo de paródias e de viajar, sempre pronto para festas e churrascadas. Já o modesto António coleccionava outro tipo de riquezas. Era um quase intelectual, autodidacta, amigo de ler e de música, consumidor de concertos, museus e de exposições, de teatro e de cinema, e andava sempre atento a tudo que se passava à sua

Mortalidades

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É uma inevitabilidade. Todos os dias morrem pessoas, umas conhecidas, outras desconhecidas. Nascemos para morrer. Todos os dias morrem criadores, cada um na sua arte, uns mais artífices que artistas, uns maiores que outros, uns com obra concluída, outros com ela inacabada, mas há alguns que por me terem servido de bússola, quando desapareceram, deixaram-me transitoriamente amargurado, quase deprimido. Foi o caso de Albert Camus em 1960 (apenas soube da sua morte em 1964), de Jorge Luís Borges em 1986, de Vergílio Ferreira em 1996, de Sophia de Mello Breyner Andresen em 2004, e agora, de José Saramago em 2010, e mais uma meia dúzia de outras figuras marcantes, repartidas entre prosadores, poetas e cineastas, que entretanto se extinguiram. Ontem estavam, hoje já não estão. Quando partem, é como aquela ondulação que nos faz, momentaneamente, perder o pé. Depois, vem uma onda mais alterosa, atira-nos contra as rochas, e saímos dali exaustos, carregados de esfoladelas e a lamber as fer

Conto Breve - Juvenália

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Já tinha publicado três romances com razoável êxito, e começara a pensar em dedicar-me à escrita, como modo de vida. Com essa ideia instalada na cabeça, tinha projectado avançar para um novo romance, começara a rabiscar alguns tópicos e um esqueleto da história, tinha tirado alguns apontamentos, mas sentia necessidade de mudar de ambiente para começar a escrevê-lo. Não era na capital, mergulhado na agitação cinzentona de 1965, que conseguiria levar a cabo a tarefa. Falei do assunto com o Ricardo, o meu editor, e ele disse-me: - Não te preocupes. Arranjo-te um sítio em condições, basta falar com o Abelaira. Ele tem muitos conhecimentos. Duas semanas depois, fiz as malas e mudei-me para aquela aldeola perto de Tomar. Era uma moradia muito simples, com um quintal nas traseiras, equipada com tudo, desde roupas de cama até louças e talheres. Imaginava eu que a minha estadia não seria longa. Tudo dependia de como o meu trabalho fosse progredindo. Instalei a mesa e a cadeira para a máqu

Deitar o Voto

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Nota prévia – Não publiquei este artigo no Facebook porque estávamos no período de reflexão. Dizem as regras que nesse período devemos abster-nos de dizer coisas que possam influenciar, perturbar ou criar confusão no espírito dos eleitores. Ultrapassado o acto eleitoral, aqui vai o sermão. Como nos lembrou o tio Marcelo, não se esqueçam de ir votar, porque a abstenção muito alta, pode lesionar a democracia. Diz ele que o Parlamento Europeu não pode ser composto apenas com os votos de 30% dos eleitores europeus, muito embora se tenha esquecido de referir que os burocratas que na realidade governam a Europa, nem sequer são objecto de escrutínio popular. O tio Marcelo Insurgiu-se contra a abstenção, mas não apontou as suas causas e remédios, e introduziu uma curiosa inovação que levanta sérias preocupações: quem não vota, não tem direito a queixar-se ou a reclamar. Homessa! Oh tio, não havia necessidade!  Mas não desanimem. É habitual os políticos não dizerem a verdade toda, po

Falar de Festivais

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Dizer alguma coisa sobre o Festival da Eurovisão a decorrer em Israel, país que mantém em progresso a sua política de extermínio, demolições, ocupação e expropriação dos territórios palestinianos, não me seduz nem entusiasma, e esse é um sentimento que já vem de longa data.  Há cinco anos, em Julho de 2014, quando os jornalistas ainda tinham alguma liberdade de movimentos e a comunicação social portuguesa ainda divulgava notícias sobre o conflito israelo-palestiniano, fiquei impressionado com descrições e respectivas fotos, que falavam da existência de um fenómeno insólito. Todos os dias, mas com maior afluência aos fim-de-semana, num morro da cidade israelita de Sderot, sobranceira à Faixa de Gaza, existiam umas esplanadas improvisadas que convidavam ao piquenique, onde os israelitas se juntavam em ameno convívio, para dali assistirem, ao vivo e a cores, como se de um espectáculo de fogo-de-artifício se tratasse, aos bombardeamentos com que a artilharia e a força aérea do seu

MAIO de 2013

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Na década de 1930, Adolf Hitler, o führer da Alemanha Nazi, afirmava que o cancro que minava a Alemanha eram os judeus, para os quais preconizou uma coisa chamada Solução Final, que se concretizou enviando para as câmaras de gás seis milhões de judeus, e inaugurando assim o genocídio em moldes industriais. Entretanto, quase cem anos decorridos, em Portugal do século XXI, aquelas sementes voltaram a germinar, na forma de um militante da JSD, de nome Carlos Peixoto, que declarou, com pompa e convicção, referindo-se aos idosos em geral, e aos reformados e pensionistas em particular, que o grande problema de Portugal era a epidemia da "peste grisalha". Apenas omitiu que o seu mentor, Pedro Passos Coelho, na prática já não necessita de recorrer às dispendiosas instalações de extermínio usadas pelo monstro alemão, para levar a cabo o "seu" Holocausto; basta cortar nas pensões e outros meios de subsistência, e a tal "peste grisalha" extinguir-se-á, natural

A Carreira 28

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Isto não é ficção; aconteceu mesmo! Pela primeira vez na vida, aconteceu-me uma coisa inacreditável. Eu conto como as coisas se passaram. No dia 2 de Março de 2007, necessitei de deslocar-me da Portela de Sacavém para a Avenida Infante Santo, a mais uma consulta no Hospital da Cuf, e como sou adepto das “boas práticas” e avesso a usar transporte particular dentro de Lisboa, em dia de semana e em horários de trabalho, decidi recorrer, tal como o tenho feito das outras vezes, ao transporte público, e utilizar a carreira 28 da Carris, que faz o percurso entre a Portela e o Restelo. Eram 12h e 45m quando o enorme veículo articulado chegou, o motorista abriu a porta, comprei o meu título de transporte, e quando me preparava para ir escolher um lugar sentado, naquele veículo gigantesco, que apenas transportava meia dúzia de idosos, ouvi a voz do condutor, um rapaz com pouco mais de 20 anos, que ainda não tinha arrancado da paragem, fazer a seguinte pergunta: - O senhor desculpe, ma

Os Pires

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Há quem diga que o calor do fogão e os odores das cozinhas são propícios à criação de um ambiente de permanente excitação, com inusitados efeitos inebriantes sobre quem lá trabalha. A dona Susana Pires, de bochechas coradas e luzidias, seios fartos e braços roliços, que o diga, enquanto limpa as mãos sapudas ao avental. Diz ela que trabalhar na cozinha daquele restaurante, entre especiarias, rolos de carne e empadões, o acto de manipular os alimentos e confeccionar os petiscos, é a coisa mais excitante que existe ao cimo da terra, mil vezes melhor que ver um filme pornográfico. O marido, o senhor Sidónio Pires, que também lá trabalha, portador de um corpulento físico de lutador de Sumo, é da mesma opinião. Manipular febras, preparar os miúdos para a canja, enrolar pastéis de bacalhau e fatiar toucinho-do-céu, ao mesmo tempo que contempla com volúpia o vaivém das coxas rotundas da dona Susana, a oscilarem de lá para cá, como pudim de gelatina, são coisas que o deixam sempre em prol

A Aventura da Escrita

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Comparável aos seixos que vão repousar na margem do rio, depois de revolutearem na corrente, ou os ventos, chuvas e aluviões que varrem a Terra, esculpindo novos volumes e depositando-se em sedimentos, que são os seus registos, acabando por contar à sua maneira, uma história da Terra, a escrita corresponde à materialização do pensamento e da criatividade humana. Embora com outra origem, não comparável aos processos mecânicos da natureza, é o instrumento de registo do pensamento e da interacção humana ao longo dos tempos, que perpetua a memória dos factos e acontecimentos, vinculando a comunicação. Estratifica-se através de documentos, jornais, livros e bibliotecas. Se na natureza os sedimentos se organizam de forma caótica e aleatória - muito embora depois os possamos analisar e descodificar -, a escrita humana sedimenta-se segundo um sistema organizado de registo, que lhe dá coerência e significado, aberto à interpretação, para dela extrairmos o rumo, sentido e  intenção de quem

Pedagogia do Apedrejamento e Sentido Figurado

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EM JUNHO de 2006, no decurso de uma sessão da Assembleia Municipal de Viseu, o presidente da edilidade Fernando Ruas, que também era presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, confrontado com a notícia de que os fiscais do Ministério do Ambiente, após decisão judicial, haviam multado uma Junta de Freguesia do seu concelho, por manter materiais de construção ao abandono, entendeu que isso não tinha cabimento no seu feudo, e resolveu o problema à sua maneira. Ali mesmo, em plena assembleia municipal, decretou uma "intifada" contra o Ministério do Ambiente, sugerindo que os fiscais, mais preocupados em criar problemas do que em zelar pelo ambiente, fossem corridos à pedrada. "Arranjem lá um grupo e corram-nos à pedrada", foi a expressão encontrada por Fernando Ruas, que garantiu estar a medir muito bem aquilo que estava a dizer, o que significa que estava a induzir à desobediência, acrescida de incitamento à violência, em resumo, a instigar ao crim

As Infames Portas Giratórias

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Quando começaram a despontar os anos 90 do século passado, ainda eu alimentava a ideia de ter uma actividade paralela à que tinha como informático, lançando-me a escrever um romance. Entre velhos recortes de jornais, recibos da água e da luz, descobri agora alguns papéis que atestam aquela tardia intenção. Com um título já atribuído (As Infames Portas Giratórias), uma lista de tópicos à maneira de guião e alguns parágrafos alinhavados, ensaiava os passos para passar à acção. Sobre ter atribuído à partida o título da obra, coisa que habitualmente os escritores escolhem depois da obra terminada, soube uns anos mais tarde, através de uma entrevista, que o Saramago também usava o mesmo processo. Primeiro encontrava o tema do romance, condensava-o no título, e depois a obra ia-se expandindo a partir daí. Comecei a escrevinhar mas o  entusiasmo começou a perder força quando constatei que o romance avançava a custo, aos repelões, com demasiadas paragens forçadas. Parecia um barco encalha

Da Regionalização

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Sem grande entusiasmo, está em curso o processo de descentralização de algumas competências do poder central para as autarquias, havendo autarcas a queixarem-se, com mais ou menos razão, que descentralizar sem regionalizar, não fornecendo os meios e recursos adequados à função, é multiplicar os problemas das autarquias, criando sérios problemas à descentralização pretendida. A frio, e como complemento deste processo, o primeiro-ministro António Costa, no discurso de encerramento do “Fórum de Políticas Públicas” do ISCTE,  dedicado ao tema da descentralização, desenvolvimento e poder local, veio agora acrescentar que a regionalização deve avançar já na próxima legislatura em 2021, sem “fantasmas” nem “equívocos”, e que todos nos devemos mobilizar para isso. Disse que é uma matéria que não pode ser mais adiada, que tem que ser muito bem discutida e melhor decidida, sem abdicar do referendo. Desde 1976 que a regionalização está consagrada na Constituição da República Portuguesa,   c