A Carreira 28
Isto não é
ficção; aconteceu mesmo!
Pela primeira
vez na vida, aconteceu-me uma coisa inacreditável. Eu conto como as coisas se
passaram. No dia 2 de Março de 2007, necessitei de deslocar-me da Portela de
Sacavém para a Avenida Infante Santo, a mais uma consulta no Hospital da Cuf, e
como sou adepto das “boas práticas” e avesso a usar transporte particular
dentro de Lisboa, em dia de semana e em horários de trabalho, decidi recorrer,
tal como o tenho feito das outras vezes, ao transporte público, e utilizar a
carreira 28 da Carris, que faz o percurso entre a Portela e o Restelo. Eram 12h
e 45m quando o enorme veículo articulado chegou, o motorista abriu a porta,
comprei o meu título de transporte, e quando me preparava para ir escolher um
lugar sentado, naquele veículo gigantesco, que apenas transportava meia dúzia
de idosos, ouvi a voz do condutor, um rapaz com pouco mais de 20 anos, que
ainda não tinha arrancado da paragem, fazer a seguinte pergunta:
- O senhor
desculpe, mas agora nesta rotunda, sigo para a direita ou vou em frente?
Parei, olhei
para trás, incrédulo, e foi a minha vez de perguntar, muito embora não houvesse
mais ninguém por perto:
- Está-me a
perguntar isso a mim?
- É sim,
queira desculpar a maçada, mas a questão é que me enfiaram nesta carreira e eu
desconheço totalmente o percurso, pelo menos até ao Cais do Sodré, respondeu o
motorista, a exibir um ar muito encavacado.
Perfeitamente
abismado com a situação, voltei a insistir:
- Então e
quando o escalaram para esta carreira não informou que desconhecia o percurso?
- Claro que
informei, só que me disseram que tinha que ser, e se tivesse dificuldades com o
caminho, que fosse perguntando às pessoas…
Claro está que
não me sentei para fazer aquela viagem. Ou ficava a dar uma ajuda ao jovem
funcionário da Carris, ou desembarcava na próxima paragem e arranjava um táxi.
Acabei por decidir armar-me em “bom samaritano”, instalei-me em pé ao lado dele
e disse:
- Pois bem,
pelo menos até à Infante Santo vai ter navegador. Agora aí na rotunda vai
seguir em frente.
E assim foi.
Fui dando indicação da localização das paragens, das faixas rodoviárias que
devia seguir, orientei-o nos meandros de Moscavide, do Parque das Nações, na
avenida Infante D.Henrique, no percurso pelas ruelas apertadas da zona de
Chelas, onde é preciso ser muito experiente para fazer curvas com um veículo
articulado, senão é o cabo dos trabalhos, e assim sucessivamente. Pelo meio
daquela inusitada viagem, e como é compreensível, a velocidade do autocarro era
muito abaixo da média habitual, e isso começou-se a reflectir-se na chegada às
paragens, empanturradas de gente, a despejarem sobre o motorista todas as
ameaças e reclamações, tanto possíveis como imaginárias. Por isso, além de
navegador, também tive que fazer a minha entrada de animal feroz:
- Alguém que
está a reclamar, quer vir aqui para o meu lugar? É que o motorista foi metido
neste autocarro e não sabe o percurso desta carreira. Alguém quer vir até aqui
dar uma mãozinha? Então, ninguém se oferece?
Fez-se
silêncio. Apenas um operário já entrado em idade, veio até à frente e disse que
estava ali para o que desse e viesse, menos conduzir o “machibombo”.
- Fique
descansado que ninguém se mete consigo! Eu só saio na última paragem…
Finalmente
chegámos ao entroncamento da avenida 24 de Junho com a Infante Santo, onde
desci do autocarro.
- Boa tarde e
muito obrigado pela ajuda, agradeceu o jovem condutor.
- Não
agradeça, mas olhe que na viagem de regresso, sobretudo dentro de Chelas, o
percurso não é exactamente o mesmo que agora fizemos. Por isso, arranje uma
nova ajuda.
- Mais uma vez
obrigado, voltou ele a repetir, antes de arrancar em direcção ao Restelo. Não
sei como acabou a saga daquele jovem condutor da Carris. A minha acabou mal. A
consulta que estava marcada para as 14 horas, porque cheguei atrasado uma hora,
foi transferida para as 17 horas. E no regresso a casa, pelo sim, pelo não,
acabei por vir de táxi.
Assim anda
esta Carris, já entrada no terceiro milénio, e com comportamentos muito piores,
do que se andasse em autogestão. Assim anda (ou desanda) a Carris, que gasta
muitos milhares de euros a fazer a respectiva auto-promoção da excelência dos
seus serviços, e publicidade aos benefícios de deixar o carro em casa e usar o
transporte público, e depois oferece serviços, que podem tornar-se uma aventura
pelo desconhecido, e com fim imprevisível.
2007 Março 4
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