Da Regionalização
Sem grande entusiasmo, está em curso o processo de descentralização de
algumas competências do poder central para as autarquias, havendo autarcas a
queixarem-se, com mais ou menos razão, que descentralizar sem regionalizar, não
fornecendo os meios e recursos adequados à função, é multiplicar os problemas das
autarquias, criando sérios problemas à descentralização pretendida. A frio, e
como complemento deste processo, o primeiro-ministro António Costa, no discurso
de encerramento do “Fórum de Políticas Públicas” do ISCTE, dedicado ao tema da descentralização,
desenvolvimento e poder local, veio agora acrescentar que a regionalização deve
avançar já na próxima legislatura em 2021, sem “fantasmas” nem “equívocos”, e
que todos nos devemos mobilizar para isso. Disse que é uma matéria que não pode
ser mais adiada, que tem que ser muito bem discutida e melhor decidida, sem
abdicar do referendo.
Desde 1976 que a regionalização está consagrada na Constituição da
República Portuguesa, como um dos elementos
de organização do Estado, tendo sido objecto de referendo em 8 de Novembro de
1998, com António Guterres como primeiro-ministro, com a finalidade de aprovar
a divisão de Portugal em 8 regiões. Os resultados do referendo não foram animadores.
A abstenção foi de 51,71%, o “sim” obteve 34,96% e o “não” recebeu 60,67%,
deixando adiada a criação das juntas e assembleias regionais, que seriam os
órgãos intermédios entre o poder central e o poder autárquico, tal como o
conhecemos. Agora, passados mais de 20 anos sobre aquela consulta, António
Costa quer insistir em novo referendo, mas como não temos nenhuma tradição em matéria
de regionalização, é desejável que o tema seja discutido profundamente, e que não
se fique pelo palavreado e os habituais lugares comuns. É preciso saber qual o perfil
dos mapas das regiões, como elas se vão estruturar, quais as suas competências
e como se vão articular com o poder central, quais as suas vantagens e
desvantagens, o que se ganha e o que se perde, atendendo à realidade portuguesa.
Se por um lado há quem garanta que a regionalização será a grande solução para
o desenvolvimento equilibrado do país, um elemento para a descentralização e
desburocratização, um factor de democratização e instrumento da democracia
participativa, promovendo a aproximação e
intervenção das populações no exercício do poder, por outro, há quem garanta
que a sua implementação será sinónimo de aparecimento de novos problemas, decorrentes
de um aumento substancial do número de efectivos da administração pública, impondo
a burocracia e a barafunda institucional, mais a proliferação de clientelas,
caciquismos e interesses político-partidários, que tendem a subalternizar os reais
interesses das populações, com mini-executivos e mini-parlamentos regionais, a desacertarem
o passo com o poder central, logo fragilizando a coesão nacional, quando
bastava fosse levada a cabo uma descentralização meramente administrativa.
Os partidos políticos são unânimes no apoio à ideia da regionalização, e
percebe-se porquê, pois é uma forma de se reforçarem e consolidarem
regionalmente. A nível nacional, há organizações cívicas que apoiam a solução regionalista,
e outras que a rejeitam, e os argumentos que invocam, mais coisa menos coisa,
são os que lá atrás referi, a
oscilarem entre o optimismo idealista dos primeiros, e o pessimismo
catastrófico dos segundos. No entanto, uma coisa é certa; entre
os argumentos de ambas as partes, persistirá sempre o facto de que sem a
consumação da regionalização, a organização do Estado, tal como a Constituição
prevê, manter-se-á incompleta. Espero que as ideias, opiniões e a discussão do
tema cheguem até nós, a tempo e com qualidade, para que quando chegar a altura de
nos pronunciarmos, estejamos bem informados para votarmos em consciência. E a
razão é simples: será uma consulta que não tem que ver com a escolha de “quem”
nos vai governar, mas sim com o “modelo” que nos irá governar.
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