Pedagogia do Apedrejamento e Sentido Figurado
EM JUNHO de 2006, no decurso de uma sessão da
Assembleia Municipal de Viseu, o presidente da edilidade Fernando Ruas, que
também era presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses,
confrontado com a notícia de que os fiscais do Ministério do Ambiente, após
decisão judicial, haviam multado uma Junta de Freguesia do seu concelho, por
manter materiais de construção ao abandono, entendeu que isso não tinha
cabimento no seu feudo, e resolveu o problema à sua maneira. Ali mesmo, em
plena assembleia municipal, decretou uma "intifada" contra o
Ministério do Ambiente, sugerindo que os fiscais, mais preocupados em criar
problemas do que em zelar pelo ambiente, fossem corridos à pedrada.
"Arranjem lá um grupo e corram-nos à pedrada", foi a expressão encontrada
por Fernando Ruas, que garantiu estar a medir muito bem aquilo que estava a
dizer, o que significa que estava a induzir à desobediência, acrescida de
incitamento à violência, em resumo, a instigar ao crime.
É sabido que alguns autarcas não gostam de fiscais,
não gostam de ser controlados, desejando andar à rédea solta, para assim
poderem cometer todo o tipo de barbaridades e aberrações, mas chegar ao ponto
de usar assembleias municipais para promover, às claras, o desrespeito de
decisões judiciais, estimular a constituição de milícias municipais e incitar à
violência, na melhor tradição trauliteira, é coisa nova cá pelo burgo.
Seguindo o “bom” exemplo do padre Acílio da
Casa do Gaiato, que enquanto dava uma entrevista para a televisão, a propósito
das suspeitas de maus tratos praticados na instituição, desmentindo-as,
assentou uma chapada num garoto de cinco anos que por ali andava a cirandar, e
quando confrontado pelo jornalista com o acto, socorreu-se de uma pirueta
semântica , dizendo que “não lhe dera uma estalada, apenas lhe dera com a mão
na cara”, também o senhor Ruas, para tentar salvar as aparências, garantiu que
"estava a falar em sentido figurado" e que, por isso, as suas
afirmações não deveriam ser tomadas à letra. Chegou mesmo a ironizar, afirmando
que se quisesse ser radical, teria sugerido métodos mais eficazes que as pedradas.
Feitas as contas, não conseguiu libertar-se da fama de indivíduo pouco
recomendável, direi mesmo, de grosso arruaceiro.
Portanto não nos admiremos se um dia ouvirmos
falar de alguém que ao aparecer-lhe à porta um fiscal dos impostos, da
segurança social, ou talvez mesmo um agente da Polícia, que a reacção seja uma
corrida à pedrada, pois é alguém que está a seguir o conselho do virtuoso Ruas.
E já agora, voltemos ao caso do padre Acílio
da Casa do Gaiato. Não sei como aquilo acabou, mas se alguém tinha dúvidas
sobre a veracidade das acusações dirigidas à instituição, aquele episódio da
estalada em directo, encarregou-se de colocar a
verdade no seu devido lugar. Se aquilo era o procedimento à frente de
testemunhas, imagine-se o que seria na privacidade da instituição.
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