A Descomunal Solidão


O filme: O Primeiro Homem na Lua (First Man)
O realizador: Damien Chazelle
Os actores principais: Ryan Gosling, Claire Foy
Duração: 141 minutos
Ano: 2018

Meu comentário:

Baseado no livro de James R. Hansen, "O Primeiro Homem na Lua" é um filme que expõe com o possível rigor biográfico, os oito anos de vida (1961-1969) de Neil Armstrong, enquanto astronauta da NASA, que atravessou todos os programas, desde o avião X-15 e o programa Gemini, até culminar como comandante da missão lunar Apollo 11, a primeira que colocou seres humanos no satélite natural da Terra.  Armstrong foi tudo isso e também chefe de família. Porém, a família Armstrong tem um problema doméstico. O marido queria correr todos os riscos para pisar a Lua, ao passo que a mulher queria que ele fosse um marido "normal", amigo de grelhados domingueiros, dedicado aos prazeres do lar e à educação dos filhos, e que não andasse sempre com a vida no gume da navalha. Janet Armstrong não estava pelos ajustes, não conseguindo conviver com os acidentes e os mortos que iam grassando no corpo de astronautas. Nunca ficaria cá em baixo, a partilhar no simulador de voo da segurança do lar, todas as emoções e ambições do marido, enquanto ele andava lá por cima em missão.

E com aquele conflito instalado, ganha espessura uma linha quase invisível que percorre todo o filme. É um sentimento de solidão, quase de não pertença, que divide o astronauta, enquanto pessoa totalmente empenhada na sua missão, produto do jogo das suas aspirações, e das circunstâncias, e o papel que lhe cabe como elemento da coesão familiar. Longe de ser fria e inexpressiva, a tristeza do olhar de Armstrong, não é o que parece. Afigura ser a expressão de um homem tímido e inseguro, mas não é. É antes o refúgio de um homem determinado e calculista, que carrega um drama doméstico, em simultâneo com a entrega de corpo e alma à sua missão, que será consumada em 20 de Julho de 1969, com a primeira pegada humana na superfície lunar.

Essa linha invisível, está presente em três momentos cruciais do filme. O primeiro tem que ver com os momentos que antecedem a partida de Armstrong para o centro espacial, durante a embaraçosa e tensa despedida da família, onde é difícil explicar que há sempre a possibilidade de não haver um regresso. O segundo momento é a pausa que Armstrong faz à beira de uma cratera lunar, com um deserto de 384.000 quilómetros entre si e a Terra, onde ele ajusta contas com o passado, desatando o nó cego de uma perda irreparável. O terceiro momento é o seu gélido reencontro com Janet, após o regresso da missão, no vazio da sala de visitas das instalações de quarentena, como se fossem dois desconhecidos, separados por uma lâmina de vidro com quilómetros de espessura. Embora expliquem oito anos de vida, todos os três momentos gravitam em torno do drama familiar, onde Armstrong é sempre um homem irremediavelmente só, um homem que conquistou a Lua, mas que acabou por perder a família. Agora, o julgamento sumário da mulher e dos filhos que tivera de enfrentar, a dor imensa que  cauterizou na solidão e deslumbramento lunar, e o casamento que está à beira de se dissolver, estão em vias de se tornarem problemas resolvidos, coisas do passado. A glória cobrara o seu preço.

No seu conjunto, "O Primeiro Homem na Lua" é um filme tão honesto quanto possível, embora passe ao lado de um facto com tanto impacto, como o foi o envolvimento americano na guerra do Vietname. Mas aflora as dificuldades que o povo americano então experimentava, quando confrontado com os gastos astronómicos, que as missões da NASA implicavam - e que eram duramente contestados nas ruas -, no auge da corrida pela supremacia espacial com a União Soviética, e o escasso empenhamento do governo, em melhorar o nível de vida dos cidadãos.

Com uma notável e talentosa realização de Damien Chazelle, sóbria, sem floreados nem excessos desnecessários, e enriquecido com as interpretações de grande nível de Ryan Gosling (no que talvez seja o desempenho da sua vida) e Claire Foy, "O Primeiro Homem na Lua" é uma obra cinematográfica marcante, deslumbrante e inesquecível.

Agosto de 2019

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