As Infames Portas Giratórias


Quando começaram a despontar os anos 90 do século passado, ainda eu alimentava a ideia de ter uma actividade paralela à que tinha como informático, lançando-me a escrever um romance. Entre velhos recortes de jornais, recibos da água e da luz, descobri agora alguns papéis que atestam aquela tardia intenção. Com um título já atribuído (As Infames Portas Giratórias), uma lista de tópicos à maneira de guião e alguns parágrafos alinhavados, ensaiava os passos para passar à acção. Sobre ter atribuído à partida o título da obra, coisa que habitualmente os escritores escolhem depois da obra terminada, soube uns anos mais tarde, através de uma entrevista, que o Saramago também usava o mesmo processo. Primeiro encontrava o tema do romance, condensava-o no título, e depois a obra ia-se expandindo a partir daí. Comecei a escrevinhar mas o  entusiasmo começou a perder força quando constatei que o romance avançava a custo, aos repelões, com demasiadas paragens forçadas. Parecia um barco encalhado nos baixios, que nem com as marés cheias se conseguia libertar. Claro que havia uma razão; trabalho informático a exigir grande concentração e dedicação, organigramas funcionais, fluxogramas e subrotinas de programação, não são o que há de mais compatível com a criatividade literária, e aquela dificuldade não era coisa que se pudesse superar desligando interruptores. Passaram os meses, as portas giratórias não deixavam fluir a inspiração, e a ideia do tal romance começou a definhar por falta de fôlego, até que se extinguiu. Se queria escrever, o melhor que teria a fazer era limitar-me a textos breves, crónicas, talvez uns contos e novelas aqui e ali, e não continuar a insistir num romance arrancado a ferros. Foi o que acabei por fazer. Desistir foi uma forma subtil de fugir ao fracasso. Entre ser candidato a nadador olímpico ou a corredor de fundo, e acabar por não ser uma coisa nem outra, escolhi ficar-me apenas pelos exercícios de aquecimento.

Comentários