Mensagens

A mostrar mensagens de 2018

Florência, Gustavo e os 400 Ladrões

Imagem
Conto instantâneo (não é preciso juntar água) da época da troika, do Passos Coelho e dos 400 ladrões exterminadores que saqueavam o país, quando o dia-a-dia era feito de austeridade e reajustamentos, e o que apenas sobrava eram as paixões e o calor humano. O Gustavo, desempregado de longa duração e desta vida descontente, gostava da essência da sua Florência, e ela, amada mas angustiada, vendo que tardava o momento de pedi-la em casamento, logo a Florência perdeu a paciência, pôs de lado a inocência, fechou os olhos à indecência, e num acesso de inclemência, não esperou pela demora. Deitou a mão ao Gustavo, e pelo sim, pelo não, ali mesmo se decidiu profaná-lo sem compaixão. - Que fazes Florência, pensa no subsídio de desemprego e no rendimento de inserção, olha que pode vir aí o fiscal da segurança social! Compõe-te, larga-me da mão minha doce paixão, sai de cima de mim, não sabes dar tempo ao tempo, não sabes esperar? - Qual esperar, qual disfarçar, farta de esperar esto

Prendinhas de Natal (*)

Imagem
SOMOS a geração das pressas. Somos a geração do carrinho de compras. Somos a geração do saco de plástico. Pois somos, e a Gabriela que o diga. Esta história tem aproximadamente um ano, e só a presente quadra ma fez recordar. A Gabriela, na quadra natalícia de 1999, como muitas outras pessoas, sentiu-se na obrigação de presentear todos os seus colegas de trabalho, envolvendo-se na troca de prendas que se tornou uma instituição quase obrigatória. Ainda bem que apareceram as lojas dos trezentos, onde por um preço relativamente económico a Gabriela pôde encher o cabaz e riscar da sua interminável lista mais aquela inadiável preocupação. Foi o que fez, engalfinhada nas prateleiras a escolher aquelas miudezas, em luta quase corpo a corpo com os outros cidadãos e a recontar de vez em quando o dinheiro que tinha na carteira. Acrescente-se a isso o facto de, já em casa, ter que ir desencantar algumas sobras de papel de brindes de outros eventos, apelar ao seu melhor jeito para trabalho

Abominável Mundo Novo (1)

Imagem
Nos tempos que correm não é difícil ser profeta nem fazer futurologia, pois os sinais de mudança multiplicam-se a um ritmo elevado, e as portas vão-se entreabrindo. A inteligência artificial (I.A.) começa a invadir o nosso quotidiano, umas vezes como brinquedos e curiosidades tecnológicas, outras como aparelhos utilitários, outras já como verdadeiros substitutos do ser humano, realizando tarefas que têm tanto de complexas como de fastidiosas, com a grande vantagem de serem auto-suficientes, manterem-se activos 24 horas sobre 24 horas, não precisarem de férias, pausas para tomar café ou ir à "casinha", não cometerem erros por distracção, negligência ou ignorância, não serem exigentes nem reivindicativos, não precisarem de salário e serem facilmente substituíveis. A sua única necessidade é a energia para se manterem activos, sendo que a manutenção e actualização das suas funções e competências, numa fase mais avançada, ficará entregue a um processo auto-regenerativo.  A

Deuses e Deuses

Imagem
Se bem que as religiões monoteístas tenham livros sagrados, como a Torah, o Talmude, a Bíblia, os Evangelhos e o Corão, os deuses olímpicos apenas habitam em mitos (daí haver mitologias), muitos deles anteriores à própria escrita, que sobreviveram por via oral, mas que ainda assim dá para tirarmos algumas conclusões interessantes.  Assim, os deuses do Olimpo têm grandes vantagens sobre o Deus das religiões monoteístas, por várias razões. Muito embora tenham um deus supremo que é Zeus, os deuses olímpicos não reclamam ser adorados, não doutrinam nem ditam sentenças, não castigam nem são exigentes com a espécie humana, em matéria de veneração ou exclusividade de culto, muito embora possuam atributos que os humanos veneram, sendo também inspiradores de bons e maus comportamentos, pois também os deuses são possuidores de defeitos e virtudes. Não vale de nada pedir-lhes algo, porque não nos atendem nem fazem milagres. Olimpicamente falando, não se intrometem na nossa vida nem nos

O Jogo da Chave

Imagem
Tenho um relógio de pé alto do século XIX, em madeira de cedro e de fabrico alemão, ou melhor, prussiano, que não gosta de vibrações. Apenas desacerta quando há trovoadas ou obras com martelos pneumáticos, nos outros andares do prédio. Mexer-lhe nos ponteiros só quando não pode deixar de ser, como quando ocorrem as estúpidas mudanças da hora de verão ou de inverno. Fruto de não sei quantas partilhas, há não sei quantas gerações, acabou por vir morar connosco há perto de vinte anos. Baptizámo-lo de Bismarck. O Bismarck tem três chaves; uma para abrir a portinhola traseira para aceder ao mecanismo, outra para dar corda no orifício lateral, e outra para aceder ao painel envidraçado frontal, que dá acesso ao pêndulo e aos ponteiros do mostrador. As outras duas chaves estão penduradas no chaveiro lá de casa, para serem usadas quando são precisas, mas a terceira é a protagonista de um jogo que eu mantenho com ela, e como a chave é minúscula e belíssima, ainda mais aliciante é o desafio

TROVEJA EM SANTIAGO. DILÚVIO EM BRASÍLIA

Imagem
Nunca mais esqueci uma reportagem exibida na televisão, na altura em que Augusto Pinochet esteve detido no Reino Unido, entre 16 de Outubro de 1998 e 2 de Março de 2000, devido ao mandato de detenção e extradição formulado pelo juiz Balthazar Garzón, da Audiência Nacional de Espanha, para que o ex-ditador respondesse pelos crimes de genocídio, tortura e assassinato de cidadãos, ocorridos durante o seu mandato, à frente da ditadura militar chilena. Na altura fiquei perplexo com o atrevimento, imaginando que iria ser feita justiça, porém, foi apenas uma falsa esperança. Quase ano e meio depois, e recorrendo a múltiplas ajudas e expedientes, Pinochet libertou-se da ameaça e regressou serenamente ao Chile e à mesma Santiago que, 13 anos atrás, havia visto o "santo" João Paulo II, aparecer ladeado do infame sanguinário, numa das varandas do fatídico palácio de La Moneda. Essa tal reportagem, dizia eu, realizada nos bairros pobres da periferia de Santiago, de ruelas fétidas

O LEOPARDO

Imagem
Em Março de 2007, escrevi no meu blog O ESCREVINHADOR o seguinte: Há filmes que não me canso de rever. O Leopardo (Il Gattopardo), de Luchino Visconti (1906 - 1976), foi coisa que me fez salivar durante muitos anos, limitando-me a revê-lo nos fogos-fátuos que persistiam na minha memória, e de que só agora me consegui desedentar, com a recente edição em DVD. Baseado na obra homónima de Giuseppe Tomasi Di Lampedusa, descreve os momentos mais conturbados da vida de uma família rural da aristocracia siciliana, dando especial atenção ao seu patriarca, o Príncipe Don Fabrizio De Salina (Burt Lancaster). O tempo é o do Risorgimento Italiano, ocorrido à volta de 1860, aquando do levantamento do guerrilheiro José Garibaldi, cuja revolta conduziu à unificação italiana. A pessoa de Garibaldi está ausente do filme, mas estão sempre omnipresentes os temores que desperta. Toda a Itália estava em ebulição, em mudança. Uma aristocracia latifundiária, mas quase falida, perdia terreno para uma

O QUARTETO DE ALEXANDRIA

Imagem
O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell (1912-1990), é uma tetralogia composta pelos volumes Justine (1957), Balthazar (1958), Mountolive (1959) e Clea (1960). Se quisesse usar expressões-chave para classificar a obra, diria simplesmente que é notável e fascinante, sob todos os aspectos. Desde a força telúrica que emana da cidade fundada pelo macedónio Alexandre, até aos retratos das personagens que a habitam, que por ela se apaixonam e por ela se deixam devorar, é uma espiral de descobertas, onde tanto se mergulha até águas profundas, como de repente se vem cá acima respirar em grandes haustos. É um teorema sobre a condição e as relações humanas, as íntimas e as outras, de uma riqueza e espessura que nos deixa atónitos, senão mesmo atordoados. É um friso de quatro figuras básicas, que embora sendo centrais, são mais observadores que protagonistas, servindo mais de escalpelo para, entre avanços e recuos na linha do tempo, esgravatarem tudo o que o ser humano tem de bom,

Outro Tiro no Porta-aviões?

Imagem
Sobre o novo aeroporto que irá servir Lisboa, não é verdade que não haja outra solução que não seja a do Portela mais Montijo, conforme o afirmou António Costa. Na minha modesta opinião, Montijo não é uma solução, mas sim um remendo, e não consigo entender porque razão a solução Alcochete continua a ser sistematicamente marginalizada, depois de ter ficado esclarecido que Alcochete não é o deserto de que falava o preclaro ex-ministro Mário Lino, nem que seria  preciso deslocar para lá milhões de pessoas. Quando em 2008 a solução já apontava a Ota como solução predilecta, foi feito um estudo comparativo, coordenado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, das vantagens e desvantagens entre as opções Ota e Alcochete, e concluiu-se que a opção Ota era claramente perdedora, em todos os capítulos, e que o Campo de Tiro de Alcochete tinha todas as condições para receber uma estrutura aeroportuária de raiz, expansível, sem custos com expropriações, isenta de impactos ambientais e hu

Histórias Sem Final Feliz (2)

Imagem
Tal como nos filmes, a história da Cinderela também teve um final alternativo, bem diferente da versão que nos é contada. Como certamente se lembram, depois das doze badaladas da meia-noite, e antes que toda a magia se esfumasse, a Cinderela abandonou os braços do Príncipe, no baile do palácio real, perdendo na fuga um dos sapatinhos de cristal, o qual devido a qualquer mágica anomalia, não se volatizou como tudo o resto. É certo que no dia seguinte o Príncipe começou a percorrer o reino, à procura da jovem a quem o sapatinho abandonado servisse. Lá acabou por dar com a sua Cinderela, logo se preparando para a desposar, porém, o Rei que tinha mau feitio e não era flor que se cheirasse, não estava pelo ajustes. Era o que faltava! Para que o casamento se consumasse, e para que não houvesse dúvidas, exigia que aparecesse o outro par do sapatinho de cristal, coisa que só era possível de obter com uma pequena magia suplementar. Mas por mais que a Cinderela a invocasse, a Fada que engend

Histórias Sem Final Feliz (1)

Imagem
Branca de Neve, a qual visitava com regularidade os Sete Anões da Floresta, passando lá largas temporadas para matar saudades, acabou por ser repudiada pelo seu Príncipe Encantado, ao fim de onze anos de casamento. É que depois de lhe ter dado uma prole de dez adoráveis príncipezinhos, acabou por se verificar que eram todos anões.

Alice no País dos Enganos

Imagem
IMAGINEMOS que Alice ia a passear pelo campo, tropeçava num buraco e era sugada para o País dos Enganos, onde as bandeiras são hasteadas de pernas para o ar, onde há um Coelho dos Passos, um Gato das Relvas e um Chapeleiro Gaspar que fazem a cabeça em água ao povo das Formigas, mais um Rei de Copas que devora bolo-rei confeccionado pela Cigarra Soprano, e uma Rainha de Copas chamada Conceição, que por tudo e por nada grita "foi engano!", fingindo dirigir uma orquestra de sapateiros anões que tocam rabecão, giroflé-giroflá, e que nas horas vagas se dedicam a escolher livros à sorte sobre uma lista de títulos, para as criancinhas se cultivarem... ... PASSADO o devaneio desta ficção, regressemos à realidade. Estávamos em Outubro de 2012 e foi revelado que o livro de poesia para adultos "O que dói às aves", da escritora Alice Vieira (autora mais conhecida pela sua obra dedicada a crianças e adolescentes) foi recomendado pelas sumidades intelectualóides do Plano

Parceiros do Mal

Imagem
Para o capitalismo não há amigos nem inimigos, não há boas nem más causas, apenas existem negócios e interesses. Para o comprovar basta recuar até aos anos 30 do século passado, à Alemanha de Adolf Hitler, e verificar que a eclosão dos ovos do serpentário nazi não teria sido possível sem a ajuda de quem pôs os negócios à frente de tudo. Vejamos quem fez o caminho, acertando o passo com o Mal. Para isso basta passar em revista alguns excertos do livro "Espelhos: Uma História Quase Universal", do escritor, jornalista e ensaísta uruguaio, Eduardo Hughes Galeano, publicado em 2008. Tradução do castelhano para português. O título do post é de minha autoria. «(…) Hugo Boss uniformizou a Wehrmacht, o exército alemão. Bertelsmann publicou as obras que instruíram os seus oficiais. Os seus aviões voavam porque consumiam o combustível da Standard Oil [agora Exxon e Chevron] e seus soldados eram transportados em camiões e jipes Ford. Henry Ford, construtor desses veículo

"Choque Tecnológico"

Imagem
Em Agosto de 2010, o que estava na ordem do dia era o chamado "Choque Tecnológico", embalado na onda do computador "Magalhães", que andava nas mãos das criancinhas e nas bocas do mundo. As exigências da administração pública não tinham duas leituras; para se aceder aos benefícios, ou se deixava de ser um info-excluído, ou nada feito. Podíamos não ter dinheiro para mandar cantar um cego, pagar a factura da electricidade ou do telefone, mas que íamos a caminho dos países da linha da frente, lá isso era um dado adquirido. O engenheiro incompleto José Sócrates, nos seus êxtases pantagruélicos, mais preocupado com embalagens vistosas do que com a qualidade do produto, só via autoestradas e TGVs a rasgarem o país, pontes por todo o lado, aeroportos de última geração feitos à pressa, e em cada português um internauta arrancado a ferros, custasse o que custasse. Depois de ter sido feito o enterro ao "papel selado", iam acabar-se também as peregrinações às

Saramago no Cinema

Imagem
As palavras que José Saramago pronunciou em 1995, na apresentação pública do romance “Ensaio sobre a Cegueira”, são bem esclarecedoras quanto ao conteúdo da obra. Disse ele que "este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele descreve-se uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." Na época em que li o romance de Saramago (1996), após virar a última página, tanto pela espessura das personagens, como pelo conteúdo profundamente dramático, desprovido de nomes próprios e de coordenadas espácio-temporais, apercebi-me que aquela obra, embora de abordagem difícil, era a mais “cinematográfica” - se assim se pode dizer - que o autor tinha escrito até à data. Em boa hora Fernando Meirelles

Colecções Particulares

Em Novembro de 2007 foi amplamente noticiado que uma semana antes das eleições, Paulo Portas mandou digitalizar 61.893 páginas de documentos que transitaram pelo seu gabinete no Ministério da Defesa. Se em vez de digitalização - que exige um suporte de apenas meia dúzia de DVDs -, estivéssemos a falar de fotocópias tradicionais, e se cada documento fosse apenas uma página de A4, ele teria feito sair do ministério, com destino incerto, nada mais, nada menos, que 123 resmas de papel, com documentação altamente sigilosa, para não dizer de segredos de estado. A verdade é que na altura, ninguém se opôs, ninguém deu um passo, ninguém mexeu uma palha, para averiguar o destino de tal arquivo. Questionado sobre o assunto, Portas disse que se tratavam de notas pessoais a respeito do CDS-PP, o que daria um esgotante labor de 24 páginas diárias de notas pessoais. A empresa que fez a digitalização referiu que alguns documentos tinham escrita a palavra ‘confidencial’. O Ministério Público sabe do a

Uma HISTÓRIA para a HISTÓRIA

Tal como os organismos vivos, também as Empresas têm um ciclo de vida. Nascem, desenvolvem-se, reproduzem-se, têm o seu apogeu, definham e acabam por se extinguir. Algumas podem atingir maior longevidade, abrangendo várias gerações, porém, andarão sempre intimamente ligadas e condicionadas ao ciclo de vida do seu criador: o Homem. Tal como os Humanos, também as Empresas têm o seu meio ambiente onde actuam, que pode ser mais ou menos hostil, estar mais ou menos explorado, ser exigente ou permissivo, condicionando o seu êxito ou insucesso. Para contornar as dificuldades, ajustar o meio ambiente às empresas, e estas aos seus propósitos, continua a ser o Homem que dita as regras e traça os caminhos. Vivendo delas e para elas, é ele que lhes imprime dinâmica, que faz e desfaz projectos, que as leva a prosperar ou entrar em decadência, que avança e recua no meio das intempéries, esculpindo-as à imagem e semelhança dos seus sonhos e devaneios. E porque o Homem é um ser imperfeito, natura