Florência, Gustavo e os 400 Ladrões


Conto instantâneo (não é preciso juntar água) da época da troika, do Passos Coelho e dos 400 ladrões exterminadores que saqueavam o país, quando o dia-a-dia era feito de austeridade e reajustamentos, e o que apenas sobrava eram as paixões e o calor humano.

O Gustavo, desempregado de longa duração e desta vida descontente, gostava da essência da sua Florência, e ela, amada mas angustiada, vendo que tardava o momento de pedi-la em casamento, logo a Florência perdeu a paciência, pôs de lado a inocência, fechou os olhos à indecência, e num acesso de inclemência, não esperou pela demora. Deitou a mão ao Gustavo, e pelo sim, pelo não, ali mesmo se decidiu profaná-lo sem compaixão.
- Que fazes Florência, pensa no subsídio de desemprego e no rendimento de inserção, olha que pode vir aí o fiscal da segurança social! Compõe-te, larga-me da mão minha doce paixão, sai de cima de mim, não sabes dar tempo ao tempo, não sabes esperar?
- Qual esperar, qual disfarçar, farta de esperar estou eu, amemo-nos enquanto é tempo, pois o tempo não passa de um contratempo... 
- Doce Florência minha, cuida que me abafas, que me amarrotas, que me garrotas, que me matas, morto e solteiro não sirvo p'ra nada...
- Deixa lá amado Gustavo, antes morrer de amor que de sórdido pudor… mas pelo sim, pelo não, enfia-me essa carapuça que trouxemos lá da farmácia, não vá o diabo tecê-las... 
- Ó Florência, minha ardente paixão, meu amor de perdição, minha cândida influência, e depois minha beleza, para onde irá a tua casta pureza?
- Esquece Gustavo! Morras tu ou caia eu em desgraça, que se lixe a inocência e a pensão de sobrevivência...
E viveram felizes, com os 400 ladrões sempre à perna, até que foram despejados do quarto alugado, por terem as rendas em atraso.

Publicado inicialmente no blog O ESCREVINHADOR, em 20 de Novembro de 2013. Republicado agora em 2018 com ligeiras alterações.

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