TROVEJA EM SANTIAGO. DILÚVIO EM BRASÍLIA


Nunca mais esqueci uma reportagem exibida na televisão, na altura em que Augusto Pinochet esteve detido no Reino Unido, entre 16 de Outubro de 1998 e 2 de Março de 2000, devido ao mandato de detenção e extradição formulado pelo juiz Balthazar Garzón, da Audiência Nacional de Espanha, para que o ex-ditador respondesse pelos crimes de genocídio, tortura e assassinato de cidadãos, ocorridos durante o seu mandato, à frente da ditadura militar chilena. Na altura fiquei perplexo com o atrevimento, imaginando que iria ser feita justiça, porém, foi apenas uma falsa esperança. Quase ano e meio depois, e recorrendo a múltiplas ajudas e expedientes, Pinochet libertou-se da ameaça e regressou serenamente ao Chile e à mesma Santiago que, 13 anos atrás, havia visto o "santo" João Paulo II, aparecer ladeado do infame sanguinário, numa das varandas do fatídico palácio de La Moneda.

Essa tal reportagem, dizia eu, realizada nos bairros pobres da periferia de Santiago, de ruelas fétidas e lamacentas, bordejadas por frágeis barracas de madeira apodrecida, entrevistou gente paupérrima, que se declarava apoiante de Pinochet, havendo alguns que chegavam ao extremo de nas barracas onde habitavam em condições infra-humanas, terem montado altares domésticos com ícones da foto do ditador, iluminados com velas, onde se faziam oferendas e lhe dedicavam preces e orações, como se de um santo se tratasse. E afirmavam convictos, preto no branco, que aquela criatura tenebrosa tinha sido a melhor coisa que aparecera no Chile. Fiquei entre agoniado e abismado! Esperava que ali houvesse de tudo, excepto aquele tipo de devoção tão bizarra. Na altura, embora incrédulo e estupefacto, pensei que aquele pseudo-culto não passaria de um fenómeno marginal, uma aberração ou excrescência de um regime que já passara à História, embora com trágicas consequências. Puro engano meu.

Agora, com o que está a ocorrer no Brasil, e também um pouco por todo o lado, voltei a ser assediado por aqueles demónios e fantasmas, que afinal se mantiveram ocultos mas atentos, à espera de novos tempos e novas oportunidades, para o ajuste de contas. Contra tudo aquilo que eu pensava, que apesar dos avanços e dos recuos, e de um certo equilíbrio instável mas sob controlo, nada se voltaria a repetir, verifico que se está a completar um ciclo, que começou em 1922 com a Itália de Mussolini, e que agora persiste em voltar ao momento zero, com mais uns quantos fascismos, trumpismos, nazismos, franquismos e salazarismos, a serem incensados por múltiplas seitas religiosas e a deitarem as garras de fora. Não fiquemos paralisados. Cada um à sua maneira, está nas nossas mãos barrar-lhes o caminho, para que o fascismo, ou seja lá o que for, pereça e nunca mais prospere.

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