Abominável Mundo Novo (1)


Nos tempos que correm não é difícil ser profeta nem fazer futurologia, pois os sinais de mudança multiplicam-se a um ritmo elevado, e as portas vão-se entreabrindo. A inteligência artificial (I.A.) começa a invadir o nosso quotidiano, umas vezes como brinquedos e curiosidades tecnológicas, outras como aparelhos utilitários, outras já como verdadeiros substitutos do ser humano, realizando tarefas que têm tanto de complexas como de fastidiosas, com a grande vantagem de serem auto-suficientes, manterem-se activos 24 horas sobre 24 horas, não precisarem de férias, pausas para tomar café ou ir à "casinha", não cometerem erros por distracção, negligência ou ignorância, não serem exigentes nem reivindicativos, não precisarem de salário e serem facilmente substituíveis. A sua única necessidade é a energia para se manterem activos, sendo que a manutenção e actualização das suas funções e competências, numa fase mais avançada, ficará entregue a um processo auto-regenerativo. 

Até aqui, a História tem-se processado à volta das relações humanas entre o capital e os trabalhadores-produtores; agora, vai-se aproximando o tempo em que entre o capital e os trabalhadores-produtores vai surgir uma nova entidade: o robot-produtor que, passo a passo, irá escorraçando os trabalhadores humanos do processo produtivo, remetendo-os para o limbo da inactividade. As máquinas inteligentes estão a ser criadas por nós e vão suplantar-nos, empurrando-nos para um beco sem saída em que o trabalho humano escasseará, em que não haverá carreiras, não haverá futuro, porque deixámos de ser protagonistas. 

Os computadores apareceram com a função de facilitar o nosso trabalho, concebidos para nos libertarem das tarefas estúpidas, repetitivas e imensamente demoradas; agora a I.A., consequência da evolução da ciência computacional, está a chegar para vir ocupar o nosso lugar, substituindo-nos na totalidade, deixando-nos apenas as tarefas insignificantes, ou nem sequer isso. Com as luzes de navegação já acesas e a apontar rumos, e sabendo também o que se pode esperar do ser humano, não há nada que impeça que nas relações humanas o robot possa vir a incorporar e desempenhar a função de robot-polícia-repressor, contrariando as leis da robótica enunciadas por Isaac Asimov (2). O paraíso tecnológico que nos tinha sido prometido, como sendo o grande salto qualitativo nas nossas vidas, irá sendo diluído pelas realidades, até se tornar uma vaga lembrança. Sinal disso é a precarização laboral que já está em curso, a par do pouco ou nada que tem sido feito, para preparar as sociedades para o que aí vem, pois toda e estrutura política, económica e social em que hoje nos movemos, irá (ou já está a) sofrer grandes mutações e convulsões, até se tornar obsoleta, ruir e desaparecer. Quanto menos preparados estivermos, melhor e mais simplificado será o processo de transferência e acomodação do capitalismo dominante - o grande proprietário dos robots que nos irão substituir -, às novas ferramentas de domínio e exploração. 

Vocês dirão que isto tem todos os ingredientes de um filme de ficção científica da série B, mas a verdade é que talvez o futuro não venha a ser muito diferente do que atrás foi dito, e que está já ali a espreitar-nos, ao virar da esquina. 

(1) Analogia com o título do romance "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley de 1931

(2) São três as Leis da Robótica enunciadas por Isaac Asimov, destinadas a condicionar o comportamento dos robots, no seu relacionamento com os seres humanos:

Primeira Lei - Um robot não pode molestar um ser humano, ou, por omissão, permitir que um ser humano seja molestado.
Segunda Lei - Um robot deve obedecer às ordens recebidas dos seres humanos, excepto no caso em que estas ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
Terceira Lei - Um robot pode proteger a sua própria existência, contanto que tal protecção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.

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