Prendinhas de Natal (*)

SOMOS a geração das pressas. Somos a geração do carrinho de compras. Somos a geração do saco de plástico.

Pois somos, e a Gabriela que o diga. Esta história tem aproximadamente um ano, e só a presente quadra ma fez recordar.
A Gabriela, na quadra natalícia de 1999, como muitas outras pessoas, sentiu-se na obrigação de presentear todos os seus colegas de trabalho, envolvendo-se na troca de prendas que se tornou uma instituição quase obrigatória. Ainda bem que apareceram as lojas dos trezentos, onde por um preço relativamente económico a Gabriela pôde encher o cabaz e riscar da sua interminável lista mais aquela inadiável preocupação. Foi o que fez, engalfinhada nas prateleiras a escolher aquelas miudezas, em luta quase corpo a corpo com os outros cidadãos e a recontar de vez em quando o dinheiro que tinha na carteira. Acrescente-se a isso o facto de, já em casa, ter que ir desencantar algumas sobras de papel de brindes de outros eventos, apelar ao seu melhor jeito para trabalhos manuais, esmerando-se nas novas embalagens e respectivas dedicatórias. Entretanto, ao mesmo tempo, ia murmurando para os seus botões, o juízo que cada contemplado lhe merecia:
- Por minha vontade, esta gosma não levava nada!
- A Marta sim. Só ela merecia levar o saco todo!
E entretanto, um a um, lá ia arrumando as prendinhas naquele saco de plástico do supermercado que, como tantos outros, ostentava aquelas repetitivas estampagens alusivas à quadra natalícia. Depois de quase duas horas de trabalho exaustivo respirou fundo, pôs o saco no cabide do hall de entrada para não se esquecer dele no dia seguinte, e avançou para outras lidas. No dia seguinte, depois das tarefas matinais e na ânsia de sair para o emprego, lá pegou na sua mala, no impermeável, nos saco dos brindes e mais ainda no habitual saco com o lixo doméstico, para deitar no contentor do prédio. Saiu e depois de se desembaraçar do lixo ficou mais leve. Apesar da chuva e do tormento dos transportes, chegou antes da hora, a tempo de entregar o saco dos brindes à Lurdes, a quem calhava naquele ano a tarefa de, um a um, ir depositando em cada secretária o resultado final de outras tantas corridas às prateleiras, outros tantos exercícios de trabalhos manuais e outros tantos comentários jocosos.
A suspirar mais uma vez de alívio, ia a caminho do quarto de banho para os retoques finais no visual, quando ouviu a voz da Marta, lá do fundo da sala a dizer-lhe: -Ó Gabi, a gente sabe que não é preciso gastar muito, se calhar até nem merecemos grande prenda, mas não sei o que é hei-de fazer com isto que nos trouxeste... A Gabriela estacou, voltou devagar para junto de uma Lurdes, que entre atónita e ressentida, lhe devolvia o saco. Lívida, espreitou lá para dentro, e só então ficou com a certeza absoluta que, no meio das pressas, tinha trocado o malfadado saco das prendas pelo intrometido saco do lixo.

(*) - Conto do livro "28 ESTÓRIAS BREVES", da autoria de Fernando Torres, publicado com o título "Sacos de Plástico". O livro foi publicado em formato de e-book, pela LEYA em 2013.

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