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A mostrar mensagens de 2020

O Graal

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O Graal   não é um objecto, embora haja quem continue a acreditar que é o recipiente de onde é suposto Jesus ter bebido na última ceia, tenha recebido o sangue da sua crucificação, e que seja uma fonte milagrosa para quem o possuir. Há 2.000 anos que é procurado. ocupando o vértice - a par da Arca da Aliança -, das relíquias mais desejadas. Museus e colecções particulares anseiam pela sua descoberta. Mas o Graal não é um objecto. Nem um oráculo. Não é um objecto perdido algures, de que se procura o paradeiro, mas sim um destino longínquo que se pretende demandar, mas para o qual não há mapas nem rotas já traçadas. Projecção da imaginação, o Graal é um caminho. Caminho interior entre os muitos caminhos da nossa existência, que convergem, divergem e se bifurcam. O Graal é uma ideia, entrecruzada, em tudo semelhante a um labirinto. Tanto pode sentir-se e ter volume, ou tornar-se volátil como uma nuvem. É um tutor em que nos apoiamos para escolhermos rumos e tomar decisões. Cada um d

Um Dia Inesquecível!

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ERAM para aí umas sete da manhã daquela Quinta-feira, quando o meu pai entrou no meu quarto e veio acordar-me, antecipando-se ao despertador. Ele estava excitadíssimo, com o rádio do quarto dele com o volume mais alto que o habitual, enquanto ia comentando: - Passa-se qualquer coisa... de dez em dez minutos, estão a dar comunicados de um comando das forças armadas, a dizer para nos mantermos calmos e não sairmos de casa..., dizia-me ele nervoso, ainda em traje de pijama e a passar a máquina de barbear de uma mão para outra, enquanto que do seu quarto vinham os sons pouco comuns de trechos de música clássica, sem interrupções de publicidade, à mistura com algumas marchas militares. - Desta vez é que é! Exclamei eu, sentado na cama, a fazer tentativas para espantar aquele sono pegajoso. - Afinal aquilo em 15 de Março, sempre foi um ensaio! Levantei-me e fui até ao quarto do meu pai, à espera de mais novidades da Rádio Clube Português. - Aqui posto de comando do Movimento das F

Recordações dos Anos de Chumbo

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Tempos de escola primária, nos primórdios dos anos 50 do século passado. Saía de casa o mais cedo que pudesse, para ganhar tempo para a brincadeira no pátio do recreio, antes que se ouvisse o badalo a chamar os meninos à sala de aula. Sim, apenas os meninos, porque naquele tempo, nas escolas primárias (e também noutros estabelecimentos de ensino), não havia turmas mistas, nem turmas para meninos e turmas para meninas. Era muito pior. Havia uma escola para meninos e uma escola para meninas, separadas por uma alta vedação de rede e com horários de recreio diferentes, por causa das tosses. Mesmo assim, ai de quem fosse apanhado a espreitar as meninas ou, não sendo irmãos, a fazer-lhes esperas à saída das aulas...     Nas salas de aula, por cima do quadro de ardósia, havia um crucifixo, com as fotografias vigilantes do Oliveira Salazar de um lado, e do Craveiro Lopes do outro. Na parede ao lado estavam pendurados os mapas de Portugal e das colónias. Na primeira classe levei duas o

Conto Negro e Curto - O Segredo

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O Bruno Pandemónio, homem de idade incerta, tinha sido abandonado na roda dos enjeitados da Misericórdia. Tinha pouco de pitoresco. Deserdado de tudo, o apelido advinha-lhe da sua irreverência e da tendência para gerar conflitos incontroláveis, a partir de situações minúsculas. Dormia no portal de Santo Estevão, cirandava pelo empedrado húmido e escorregadio das vielas e recantos de Alfama, passeando os andrajos e a miséria, misturados com muita revolta, insolência e agressividade provocatória. Ninguém lhe dava atenção nem trabalho, pedia esmola aqui e ali, disputava nos becos os restos de comida com os cães, ou roubava o que podia, fosse nas vendas ou nos mercados. As caixas das esmolas das igrejas eram a sua preferência. À custa disso levava pancada e passava mais tempo nas enxovias da guarda do que em liberdade. Falava pouco mas quando por alguma razão conseguia que lhe dessem atenção, costumava berrar a plenos pulmões, aquela frase repetida vezes sem conta:  - Vocês só se liv

O Ovo de Colombo

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«Todos os meios são bons quando são eficazes» Jean-Paul Sartre, in As Mãos Sujas O Vieira mora no extremo de um conjunto de moradias em banda, separadas entre si por muretes com metro e meio de altura e com um espaço ajardinado nas traseiras. O proprietário da moradia contígua à sua tem um cão, que reina impante e todo-poderoso na sua zona ajardinada. Com traços de raça Serra da Estrela, é um cão muito especial. Não pára um minuto calado. Ladra a tudo o que mexe e não se mexe. Ladra aos pássaros, ladra às nuvens, ladra à janela que se abre, à porta que se fecha, às risadas dos miúdos, às paredes brancas dos muretes, à mosca que esvoaça, à roupa estendida a secar, às fumarolas que saem das chaminés, aos pingos de chuva, ao silêncio, à música de se escoa de uma casa ou de outra, à lua, ao sol, às estrelas, ao toque das campainhas, mas sobretudo, ladra contínua e desalmadamente, sempre que vê o Vieira ou a sua mulher Virgínia assomarem a qualquer uma das suas janelas, ou detect

Estória Breve - As Duas Padeiras

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CORRIA o ano de 1385, mais exactamente a tarde do dia 14 de Agosto, e para os lados de Aljubarrota, aprestavam-se para se enfrentarem, as hostes  do Condestável e de dom João I, o mestre de Avis, e o exército de Juan I, rei de Castela, cujas hostes, em número e fidalguia apoiante, suplantavam largamente o exército português e as ajudas inglesas. Por aquelas bandas, entre povoados e charnecas inabitadas, viviam, não uma mas duas padeiras, a saber, uma de nome Brites de Almeida, mulher rija e trabalhadeira, e outra mais discreta, surda, mas toda ela farta de carnes e músculo, porém minguada de formosura, de sua graça Lianor Domingues, casada com um insignificante jornaleiro, de nome Álvaro Domingues. Ao saber da notícia de que estava eminente o embate, Álvaro não pensou duas vezes, e foi rápido a decidir. Sem espada nem lança, silencioso e sem dizer onde ia, apanhou uma forquilha e meteu pés ao caminho para se ir juntar às tropas invasoras, cujos estandartes e pendões, desde manhã c